É necessário que a fonoterapia se torne mais eficiente e comprovada para que ganhe maior destaque nos serviços hospitalares, além de promover valorização do trabalho do fonoaudiológico nas instâncias públicas e privadas, frente à comunidade, ao Sistema Único de Saúde, a empregadores, operadoras de saúde, meios políticos e acadêmicos. Mais conhecimento, gera maiores benfeitorias a toda comunidade.
Como a Inteligência Artificial pode colaborar neste processo?
Entende-se por desfecho o conjunto de resultados da assistência prestada ao paciente, em um período definido ou ainda frente a uma terapêutica específica. (Lai, 2021). Dependendo da categoria de assistência analisada, o desfecho pode ser positivo ou negativo e ainda, definitivo ou intermediário, e levar a impactos clínicos e funcionais determinantes para a vida do paciente. De toda forma, por meio do desfecho é possível compreender o impacto da doença e assistência prestada na vida do paciente, permitindo maior compreensão sobre o valor do tratamento realizado (Kuramoto, 2019).
Com as informações sobre a relação entre tratamento e desfecho, é possível tomar uma atitude reflexiva sobre a assistência prestada, direcionando os demais tratamentos para melhores condições, evitando desperdício e aumentando a eficiência. Neste processo, não só o paciente é beneficiado, como também todos os participantes do sistema de saúde, como operadoras, hospitais e equipes multidisciplinares (Lienhart, 2020).
A entrega efetiva da assistência com valor, por meio da análise do desfecho clínico, pode ser aprimorada com a ajuda da tecnologia. A Inteligência Artificial (IA) é capaz de coletar e auxiliar na interpretação das informações de saúde do paciente, que permitirão a tomada de decisão mais assertiva para o tratamento. (Magrabi, 2016)
A IA já consegue mensurar qual é a chance de um evento adverso ocorrer, com base na biologia e história do paciente. Para isso, são conhecidas suas características e é efetivado um conjunto de processos de trabalho, a fim de compreender as variantes que podem impactar no desfecho pretendido (Olaiya, 2022).
Ao contar com uma plataforma de valor em saúde com IA, é possível compreender quais complicações são mais frequentes mediante determinados riscos. Assim que os riscos são identificados, eles podem ser evitados, antes que venham a se tornar fatores decisivos em desfechos negativos (Pu, et al 2017).
Dentro desse conceito, é necessário conhecer as categorias de riscos intrínsecos (relacionados à condição de saúde do paciente) e extrínsecos (todos os procedimentos e qualidade do trabalho, relacionados aos riscos e ao desfecho clínico). Os riscos extrínsecos compõem as partes modificáveis do processo de desfecho, porque não dependem da pessoa e sim da complexidade. Se o risco intrínseco aumentar, maior deve ser a qualidade do trabalho para evitar desfechos clínicos indesejáveis. (Pugliese, 2022).
A grande vantagem da IA é fornecer alerta em tempo real para que a equipe assistencial consiga agir precocemente, evitando, assim, desfechos clínicos indesejados. A partir da combinação de informações do paciente, a IA define qual percentual de riscos intrínsecos e extrínsecos, como também, o guideline para preveni-los. Com estas informações, torna-se mais fácil definir os critérios para as linhas de cuidado assistencial (Quon, 2017).
A partir da análise do histórico do paciente, a IA pode fazer combinações aritméticas que determinam o risco de óbito e outras sequelas dos pacientes, determinando a posição do indivíduo no grau de risco de determinado evento, possibilitando aos profissionais da saúde predizer a necessidade de seu paciente e usar as informações a seu favor. (Olaiya, 2022).
Ao detectar essas informações, o clínico comunica o risco para a equipe, que terá maior assertividade na tomada de decisão. Portanto, é apresentado um ciclo completo, que individualiza o cuidado com o paciente, mas integra a equipe multidisciplinar em torno do problema. (Perry, 2017) Tudo isso favorece o gerenciamento hospitalar, e, ao mesmo tempo, permite ao clínico cuidar da forma mais adequada.
O modelo preditivo tem por objetivo garantir a segurança do paciente e evitar sequelas irreversíveis de sofrimento e morte. A IA identifica os pacientes de alto risco de óbito, as condições adquiridas graves e a readmissão em 30 dias por complicações e recaídas. Assim é possível adotar as medidas preventivas necessárias, impactando positivamente no desfecho clínico e funcional, garantindo melhor qualidade do trabalho com redução dos riscos do paciente. Com uma plataforma de valor em saúde, é possível chegar aos melhores resultados para todas as partes envolvidas. (Olaiya, 2022).
Na vigência de uma alteração clínica aguda e/ou de comorbidades crônicas, a disfagia pode ser mais ou menos evidente ou prevista, determinando a condição de saúde do indivíduo? Devido ao seu caráter multifatorial, associado a imprecisão e demora em seu diagnóstico, além de dificuldades no manejo dos sinais e sintomas, se não for houver controle destes, o desfecho pode acarretar perda da funcionalidade em caráter crônico e até mesmo a morte. (Passos, et al 2017).
A literatura traz uma série de evidências sobre estas variáveis de riscos, conhecidas como preditores. Estudar tais variáveis pode permitir controlar melhor os desfechos (Perry, et al 2019). Estudos vêm sendo realizados com pacientes hospitalizados com o intuito de observar a evolução de doenças ao longo dos anos. O que eles nos dizem sobre as disfagias? Será que existem variáveis mais determinantes para desfechos positivos ou negativos? Apenas as condições clínicas determinam os desfechos? Que demais fatores podem nos dar pistas sobre o desfecho? (Nativ-Zeltzer, et al 2022)
Compreendendo a relação entre os desfechos e o cuidado baseado em valor, é possível para o fonoaudiólogo traçar os riscos intrínsecos e extrínsecos relacionados à sua atuação frente aos pacientes disfágicos hospitalizados, uma vez que por meio de seu trabalho, os riscos relacionados a alimentação por via oral podem estar diretamente relacionados a desfechos de sequelas irreversíveis, sofrimento, readmissão hospitalar precoce e morte. (Namasivayam-Macdonald, et al 2019).
Tradicionalmente, a tomada de decisão no tratamento das disfagias, ocorre após a anamnese, avaliação clínica e instrumental (Padovani, et al, 2013) sendo pautada na experiência do terapeuta em conduzir os casos com suas variantes, relacionadas ao grau do risco da disfagia (Padovani, 2010).
A tomada de decisão após a avaliação clínica, permite ao fonoaudiólogo verificar qual consistência alimentar e forma de oferta são mais eficientes para o paciente naquele momento e a partir daí traçar a conduta terapêutica e o prognóstico (Corte, et al, 2019).
Desta forma, os autores se esmeram em tornar a avaliação clínica cada vez mais eficiente (Batista, 2016), assim como os métodos instrumentais de avaliação (Lee, et al 2020; e Kim et al, 2020). Os trabalhos relacionados a avaliação clínica e instrumental com o uso de tecnologias disruptivas (Chang, et al., 1999; Inoue, et al., 2018; e Constantinescu et al., 2018) já são uma realidade na fonoaudiologia, mas não avaliam a eficiência da tomada de decisão sobre consistência alimentar, forma de oferta, tratamento e seus desfechos.
É possível utilizar escalas que compreendam a evolução do paciente - Sallum et al, (2012) e Threats et al (2007) - na trajetória do tratamento (Pinto, et al.; 2013), assim como são inúmeros os trabalhos que compreendem a evolução da resposta ao tratamento fonoaudiológico em doenças como AVC (Pinto, 2013) , Parkinson (Palermo, et al.; 2009), Esclerose Lateral Amiotrófica (Kaiwai, 2003), Câncer de orofaringe e laringe, entre outras doenças, associando a utilização de tratamentos conservadores e até novos recursos de reabilitação (Mile et al; 2014), e ainda compreendendo fatores relacionados à qualidade de vida como indicadores de desfechos (Permsirivanich, 2019).
No entanto, ainda faltam na literatura, trabalhos que estude as variáveis relacionando a evolução dos casos seus desfechos em larga escala para que se compreenda tal relação, e que seja possível ao profissional, a utilização de Pathways ou de Algoritmos para a tomada rápida e acertada de decisão, prevendo as possíveis complicações de populações específicas e desfechos, otimizando sua resposta ao tratamento e facilitando o uso de recursos.
Tecnologias disruptivas poderiam facilitar esta análise de variáveis, indicando os tratamentos e seus desfechos ao longo do tempo em grandes populações. Esta é proposta dos trabalhos da “Medicina de Precisão” (Byrne, 2019), que se utiliza de tais proposições para otimizar o trabalho do profissional da ponta, que necessita de uma tomada de decisão rápida na análise dos casos clínicos, verificando quais medicamentos e procedimentos são mais eficientes, pois se entende que tais medidas otimizam as respostas ao tratamento e seus desfechos.
Lienhart et al. (2020), utilizaram os conhecimentos da Inteligência Artificial para analisar os fatores preditores de risco para disfagia em pacientes hospitalizados. Os autores descrevem que os modelos desenvolvidos superaram os modelos publicados anteriormente que preveem disfagia em pacientes hospitalizados e referem a importância de implementar modelos computacionais no fluxo do trabalho clínico, determinando os benefícios e maior eficiência ao tratamento.
Para análise do desfecho no tratamento das disfagias, é necessário o uso de indicadores de evolução terapêutica que compreendam a evolução da alteração de deglutição ao longo do tratamento clínico (Sallum et al, 2012 e Threats et al,2007, e assim prevejam a utilização de dispositivos que permitam formas alternativas de alimentação, modificações de consistência da dieta alimentar, e facilitações que diminuam o risco para o paciente (Côrte, 2019).
Quanto ao uso de indicadores de evolução terapêutica e escalas, a literatura é capaz de fornecer uma infinidade de materiais. No Brasil, a escala mais utilizada é a FOIS (Pinto et al 2013; Gonçalves et al, 2015). As escalas permitem comparar a funcionalidade da deglutição no momento da avaliação e durante seu tratamento, permitindo ao clínico o entendimento sobre a evolução e a eficiência terapêutica.
O prognóstico da disfagia está diretamente relacionado à resposta ao tratamento proposto ao paciente, assim como a presença de comorbidades clínicas que farão aumentar o risco nutricional, de hidratação e de aspiração do paciente (Moraes, 2011). A compreensão da evolução destas três condições no contexto das variáveis clínicas é essencial para entendimento do desfecho dos casos.
Swetz et al. (2017), analisaram a utilização de serviços de saúde e a necessidade de vias alternativas de alimentação de pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica. Os autores constataram que ao contrário do que recomenda a literatura, grande parte dos pacientes utilizou sonda nasoenteral ao decorrer do tratamento clínico da disfagia e em fases mais avançadas da doença. O trabalho contou com a análise de 1974 prontuários ao longo de 15 anos e utilizou a Inteligência Artificial para compreender os desfechos clínicos dos pacientes. Estudos que preveem a evolução das morbidades, como a disfagia, e seus desfechos, são essenciais para que se maneje recursos públicos e privados de forma eficiente para tratar as populações acometidas.
As dificuldades da deglutição estudadas e tratadas pelo fonoaudiólogo, conhecidas como disfagias orofaríngeas, são caracterizadas por mudanças na funcionalidade do processo de deglutição, ocasionadas por alterações na estrutura morfológica, com agravos ao sistema nervoso central e periférico e/ou na estrutura do sistema estomatognático, de caráter neurogênico e/ou mecânico (Abdulmassih, 2009) que têm como consequência alterações clínicas primárias do funcionamento dos sistemas respiratório e digestório (Botella e, López, 2012), incluindo a nutrição e hidratação, podendo alterar de forma secundária os demais sistemas, modificando a participação do indivíduo na sociedade, o que é determinante para a execução das suas atividades da vida diária, e podendo provocar mudanças em seu ambiente social (Bilton, 1999).
Qual é a abordagem mais eficiente no contexto agudo das disfagias orofaríngeas nos hospitais e no contexto crônico dos pacientes que reinternam? Qual o impacto financeiro das reinternações no sistema de saúde? O fonoaudiólogo pode ter uma tratativa mais assertiva nesses casos? Estas discussões têm ganhado espaço no contexto da fonoaudiologia hospitalar e continuam com respostas frágeis, sendo necessária a busca por respostas precisas (Padovani, 2013). É analisando a abordagem do fonoaudiólogo no setting hospitalar que teremos respostas a essas perguntas.
O fonoaudiólogo hospitalar lida com prontuários eletrônicos e neles reside a possibilidade de coleta e armazenamento de dados precisa e organizada, permitindo que o ao longo dos anos, ele tenha em mãos um rico material para análise de desfechos e tomada de decisão, orientando terapia e manejo, além de produzir extenso material para pesquisa clínica, respeitando todos os preceitos da ética em pesquisa e garantindo a segurança da informação do paciente (Padovani, et al 2013).
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